Amonite || Disponível nas plataformas digitais
Crítica por Helen Nice
Imagem cedida pela Sony Home
Amonite, o drama romântico escrito e dirigido por Francis Lee, já está disponível nas plataformas digitais. Traz nos papéis principais a consagrada Kate Winslet e a não menos famosa Saoirse Ronan. Temos também Gemma Jones, James McArdle, Alec Secareanu e Fiona Shaw.
Vagamente inspirado na vida da Paleontóloga britânica Mary Anning (1799-1847) e numa fictícia relação romântica com Charlotte Murchison (1788-1869).
Não há relatos sobre a sexualidade de Mary ou de sua vida amorosa. Uma breve pesquisa revela que a forma como Charlotte é retratada também está bem distante da realidade.
Assim como seu marido, Charlotte Murchison também foi geóloga e é descrita nos livros como inteligente, talentosa e excelente desenhista. Ela foi companheira de pesquisa e teve significativa influência na carreira do marido, ajudando-o a desenvolver suas publicações científicas. Charlotte estudou ciências, um fato raro para a época, e contribuiu para a abertura de palestras para mulheres no King's College, tendo ela própria participado de reuniões da Associação Britânica para o Avanço da Ciência. Ela realmente conheceu Mary Anning, mas nada indica um romance entre as duas pesquisadoras.
Imagem cedida pela Sony Home
A história de Francis Lee se passa em 1840, no sudoeste da Inglaterra, em Lyme Regis, Dorset, um resort litorâneo muito procurado por turistas na época. Mary vive modestamente com a mãe, Molly, já idosa e debilitada, cheia de manias com sua coleção de pequenas estatuetas de animais. A vida é regrada, pouco alimento disponível e ambas tiram os parcos recursos de seu sustento de uma pequena loja de souvenir e das vendas dos fósseis que Mary encontra na praia.
Mary descobriu seu primeiro fóssil de ictiossauro aos 12 anos de idade. Ela passa a maior parte do tempo recolhendo fósseis de amonite na maré baixa, moluscos extintos no período cretáceo e de grande importância para os estudos da época. Até aqui, aparentemente a história é real.
Suas descobertas chamam a atenção do geólogo Roderick Murchinson, que aparece sem aviso prévio, em companhia de sua reservada esposa, Charlotte.
A partir deste ponto a história assume um caráter ficcional.
Mary, de personalidade rude e pouco sociável, não o recebe com simpatia. O geólogo se oferece para pagar por uma espécie de consultoria e visita guiada pela costa. A necessidade financeira faz com que Mary aceite, à contragosto.
Logo percebemos que o geólogo trata a esposa com frieza e desdém, se negando a ter algum contato íntimo.
Charlotte, aqui diagnosticada como sofrendo de "melancolia", o equivalente na época para a atual depressão, e havia sido enviada para a costa por conselho médico, para um maior contato com a natureza e o ar marinho. Ela dizia detestar o mar.
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Dado o estado apático da esposa, Roderick pede a Mary que cuide dela, levando-a junto para coletar os fósseis. Informa que irá partir em viagem por várias semanas, deixando Charlotte.
Mais uma vez a necessidade do dinheiro prevalece.
E assim, as duas mulheres passam a ter mais tempo juntas.
Mary é a própria amonite - dura, fechada, enrolada em seu mundo, tentando sobreviver à uma realidade que não reconhece seu valor. Sem vaidade, sempre com as mesmas vestes surradas e botas desgastadas, mãos sujas do árduo trabalho. Representante da classe operária do séc. XIX. Mulher, sem direitos ou privilégios.
Charlotte faz parte da burguesia dominante. Bem casada, belos vestidos, cabelos bem alinhados. Sem nenhuma experiência nos afazeres do lar.
Dois mundos totalmente distintos.
O figurino prefeito da época mostra muito sobre as personalidades e as mudanças de humor e comportamento no decorrer do filme.
Após um banho de mar trágico, Charlotte cai doente ardendo em febre. Seu médico, dr. Lieberson, recomenda repouso e pede a Mary que cuide da enferma em sua casa. Dias inconsciente preocupa Mary que vai à procura de Elizabeth Philpot para comprar uma pomada. Um segredo paira no ar entre elas.
Já recuperada, a relação entre elas se estreita. Um natural relacionamento físico acontece. Não senti uma química muito forte entre as personagens.
Imagem cedida pela Sony Home
Charlotte revela sua tristeza e frustração por não poder gerar um filho e descobre o que as pequenas estatuetas de Molly representam.
Tempos difíceis, onde a mulher não era valorizada por suas conquistas, seu único papel era casar e ter filhos, e devido às condições insalubres, a taxa de mortandade era imensamente alta, gerando culpa e sensação de incapacidade, levando à depressão.
A relação termina quando chega uma carta do marido ordenando a volta de Charlotte à Londres.
Tempos depois, abalada com a morte da mãe, Mary vai à Londres ao encontro da amada, mas o que a guarda não é exatamente o que ela imaginava.
A decepção se completa ao visitar a Museu Britânico e constatar que não há referência alguma ao seu nome nas descobertas expostas.
Aparentemente o filme deixou passar a chance de mostrar o papel importante que as duas mulheres representaram para a pesquisa científica em uma época de grandes avanços nas descobertas, de círculos intelectuais tão restritos e centrados na presença masculina. Anos de trabalho árduo para ver suas descobertas serem creditadas aos homens de Londres. Por ser mulher, Mary não pode participar da comunidade científica do séc. XIX, nem ser elegível para se associar à Sociedade Geológica de Londres, tampouco receber créditos por suas contribuições. Imaginemos os diálogos empolgantes que teriam essas duas pesquisadoras e como isso enriqueceria o roteiro.
Mas o filme é morno e lento, centrado num romance fugaz.
O destaque fica por conta das boas atuações, da cinematografia marcante com belas imagens e cenários meticulosos e do figurino impecável.
Ainda assim, o filme tem uma alta taxa de aprovação pelo público e consta em várias listas entre os melhores de 2020.
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