Gorbachev. Céu || Disponível aqui
Crítica por Helen Nice
Se não eu, quem? E se não agora, quando?
Imagem: Reprodução
Em sua bela residência, que foi gentilmente cedida pelos chefes de Estado das Repúblicas, com salas ricamente decoradas com lustres de época, telefones antigos, obras de arte e objetos que nos situam em tempos longínquos, ouve-se a frase saída de um vídeo dos anos 80.
Com mesa farta, iguarias preparadas por funcionários prestativos, regada a vodka e petiscos, um senhor corpulento com a mancha característica na cabeça, recebe o entrevistador em sua intimidade.
Gorbachev, a figura principal, conduz a um ritmo arrastado como seus passos, este documentário que tem direção e roteiro de Vitaly Manskiy.
Do alto de seus quase 90 anos na época das filmagens, com a saúde seriamente comprometida e apresentando uma enorme dificuldade de locomoção, o homem mais importante do século XX admite que sofre com as mudanças climáticas e que as tempestades magnéticas são terríveis.
Porém nada disso afeta sua memória, sua língua sagaz e seu humor por vezes ferino.
Logo de cara já alerta: "Será um diálogo com um homem esquisito".
Em aproximadamente 100min o filme procura desvendar nuances dessa figura icônica. Nem sempre as várias facetas deste senhor ficarão totalmente claras, o silêncio é desafiador. Respostas evasivas, frases de sentido dúbio e em alguns momentos um simples - basta!
Gorbachev ainda se vê como um socialista e afirma que tem Lenin como seu Deus.
Imagem: Reprodução
Em seus relatos, Gorbachev se mostra um homem com ideias humanitárias, que se incomodava com as mortes e as práticas nos campos de trabalhos forçados, atos comuns durante o império na URSS. Ele que, em 1990, viria a ganhar o Prêmio Nobel da Paz por seus trabalhos em acabar com as tensões da Guerra Fria.
Um homem extremamente culto, canta e declama longos poemas no decorrer da entrevista, demonstrando ainda estar de plena posse de suas faculdades mentais.
Gorbachev chegou ao topo do poder durante o Império Comunista, quando o país controlava quase metade do mundo e decidiu sozinho dar os primeiros passos no combate ao regime vigente. Criou programas como a Perestroika e a Glasnost, na tentativa de por fim à crise que a URSS atravessava e criou um processo transparente de abertura política para aproximar a população das decisões realizadas por seu governo.
Renunciou voluntariamente em 1991 ao cargo e isso deu início a uma séria crise, com a emancipação de várias repúblicas, a dissolução do poder central e o enfraquecimento do partido.
Imagem: Reprodução
Em todo tempo da entrevista, que passou de sua residência para a sala que ele ocupa na Fundação Gorbachev, o que não deixa qualquer sombra de dúvidas é a falta que, este homem ciente de seu fim, ainda sente do amor de sua vida, Raisa Maximovna. Muitos quadros, imagens de Raisa e dos dois juntos espalhados por todos os cantos e a triste afirmação de que, sem ela a vida perdeu o sentido. Gorbachev não perde a oportunidade de falar amorosamente da esposa e contar detalhes da vida. Após 20 anos de sua morte ele ainda questiona "o que pode ser mais elevado do que o sentimento de amar e ser amado por uma mulher".
Este homem de pulso firme, que promoveu o diálogo com a nação e ofereceu a oportunidade de democratização e liberdade foi abandonado pela nação, traído e amaldiçoado.
Entretanto quando questionado pelo entrevistador sobre o regime atual, sobre de quem seria a culpa pelo colapso da URSS, Gorbachev desconversa, muda de assunto, oferece um chá ou simplesmente responde - "eu disse o que disse. Caso encerrado!".
As cenas finais, em pleno Ano Novo de 2020, com o hino ao fundo em uma cerimônia na tv são desalentadoras.
Gorbachev ironiza: "Pátria livre? E quem trouxe essa liberdade?"
O documentário dá leves pinceladas, apenas mostrando o esboço de um quadro que tem muitas matizes. Fica a vontade de se aprofundar mais na obra.
Você poderá conferir Gorbachev. Heaven na programação do 26o Festival é Tudo Verdade, online e gratuito.
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