Alvorada || Disponível aqui
Crítica por Helen Nice
Imagem: Reprodução
O documentário Alvorada, que terá sua estreia mundial no Festival É Tudo Verdade 2021, já começa com um áudio impactante e assustador. Uma voz conhecida defende a cassação da então presidente Dilma Rousseff, enquanto celebra a figura do homem que a torturou.
Nos próximos 90 min. vamos acompanhar os últimos 180 dias do afastamento da Chefe de Estado, enquanto aguarda o desfecho do processo de impeachment, em um filme sem precedentes.
Anna Muylaert (Que horas ela volta) e Lô Politi (Jonas) nos presenteiam com uma obra ousada, intimista e reveladora.
O projeto não tem como foco central a situação política do país em um momento tão delicado, mas vem nos apresentar os últimos momentos da figura humana Dilma, a primeira mulher presidente a habitar o Palácio da Alvorada.
Rodado entre julho e setembro de 2016, o documentário retrata toda tensão e dúvida que pairavam sobre o Planalto. As câmeras irão desnudar a residência da Presidente em todos os seus andares e esferas de poder, fixando-se nos pequenos gestos pessoais de Dilma, seus funcionários e assessores. Reuniões tensas, longos telefonemas, conversas veladas e as feições perplexas dos funcionários desde o pessoal da cozinha, passando pelos assessores, assistentes pessoais, até a guarda presidencial. O clima de melancolia permeia todos os ambientes e imagens em close mostram feições cansadas, linhas de expressão, fisionomias preocupadas.
Porém, em momento algum este documentário experiencial nos apresenta alguém que esmoreceu ou levou os fatos violentos vivenciados para o âmbito pessoal. Estava claro para ela que era seu cargo que estava sofrendo um duro golpe que resultaria em consequências desastrosas no futuro.
Imagem: Reprodução
Em 17 de abril de 2016 a Câmara de Deputados autoriza a instauração do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff.
Em 12 de maio, ela é afastada do cargo assumindo seu vice, e ele fica aguardando o veredito final em sua residência oficial, o Palácio da Alvorada.
Dilma afirma em certo ponto das conversas que ali não é um lugar para se morar.
A figura principal deste documentário deixa claro desde o início que não é um personagem e que considera a presença das câmeras que a seguem o tempo todo, invasiva e excessiva. Em vários momentos dá sinais indicando que a partir dali não deveria ser gravado, o que é respeitado pela equipe do filme.
Ao contrário do que a mídia sempre nos fez crer, Dilma se mostra nas filmagens como uma mulher de personalidade forte e assertiva. Diz que aprendeu muito nos tempos em que passou na cadeia.
Dilma tem uma visão muito clara das consequências desastrosas que se seguirão ao seu afastamento. Retrocesso na educação e perdas na mobilidade social, que foram conquistadas através de políticas públicas distributivas, estão correndo sério risco.
Alguns poucos seguimentos da população se juntam na defesa da presidente, mas sem sucesso.
Dilma comenta sobre a decepção por ter participado ativamente de todo processo que possibilitou o Brasil sediar as Olimpíadas e se sentir a "cinderela" no momento das abertura dos jogos. Seus esforços não foram reconhecidos.
Imagem: Reprodução
Entretanto, Dilma também se diz como alguém que "não deprime", que "não desequilibra" e tem consciência que por vezes é preciso entender o lugar do outro para não se tornar insensível. Uma postura bastante equilibrada e sensata.
Esse lado humano fica bem claro em todo decorrer do documentário. Dilma é uma mulher culta, inteligente, que discorre sobre vários assuntos com propriedade, citando autores e fazendo reflexões filosóficas. Ela também se mostra muito segura de suas decisões nas várias reuniões com seus assessores, defendendo seu ponto de vista com firmeza.
Em 31 de agosto de 2016 temos a data da votação do Impeachment e Dilma se diz tranquila, porque não tem mais nada a perder. Mas diz também que essa tranquilidade não significa que a luta tenha acabado.
Em seu discurso final, diz: "O Projeto Nacional Progressista, Inclusivo e Democrático que represento está sendo interrompido por uma poderosa força conservadora e reacionária com o apoio de uma imprensa facciosa."
E neste triste episódio de nossa História recente, derrubaram a primeira mulher eleita presidente do Brasil.
Só nos resta lamentar e constatar que a presença de uma mulher de personalidade valente e decidida, ocupando um cargo de poder em um sistema machista e patriarcal se mostrou como um perigo às suas estruturas e só restou ao sistema vigente calar sua voz.
Um filme que chega em um momento tão crítico para o País e que e vem para elucidar as origens de todo retrocesso atual.
Deve ser visto!
A vida fica dura!
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