26.3.21

Proibido nascer no paraíso

Proibido nascer no paraíso || Sem data de estreia 
Crítica por Helen Nice

Imagem cedida pela Sinny Assessoria

O documentário começa exibindo a fotografia deslumbrante deste arquipélago vulcânico situado a cerca de 350 km na costa do NE. Fernando de Noronha é o nome de sua maior ilha. As imagens exuberantes comparam a força das famosas ondas de swell e sua magnitude com o momento do parto. Fernando de Noronha constitui um distrito estadual de Pernambuco, e é gerida por um administrador- geral designado pelo governo do Estado. Para entrar na ilha como turista há uma taxa de aproximadamente 70 reais/dia que deve ser paga no aeroporto no momento do desembarque. Há também uma taxa extra de preservação que deve ser paga para fazer as trilhas. Local famoso por ter sido usado como presídio ao longo da História, Noronha passou a atrair olhares do mundo todo a partir de 1972 quando foi inaugurada a 1a pousada para turistas. Sua beleza cênica, atrativos turísticos e biodiversidade atraem a cobiça dos grandes empreendedores imobiliários. 

O filme logo toma os rumos de denúncia e indignação. Seguindo o dia a dia de 3 gestantes, Ione, Harlene e Babalu, todas de famílias locais, em imagens realizadas entre 2017 e 2019. O único e simples desejo dessas três mulheres - ter o direito de parir seus bebês em um local próximo às suas casas, manter suas rotinas normais e retornar à vida em família após o parto. Mas isto é proibido! Na ilha existe um hospital que não oferece a estrutura básica neonatal para atender a uma possível complicação durante o parto. Nada que não poderia ser providenciado e criado estruturas, caso houvesse interesse e boa vontade dos responsáveis. A grande questão é, nascer na ilha daria ao bebê o direito futuro de reivindicar algum direito à terra, já que seria nativo do local. 

Imagem cedido pela Sinny Assessoria

As terras de Noronha são públicas e os terrenos não podem ser comercializados. Essas terras são concedidas através de um Termo de Permissão de Uso (TPU). Tal documento tem grande valor e muito interesse envolvido. Qualquer bebê nascido na ilha teria direito a ter seu nome incluído em uma lista de programa de habitação. Terras tão cobiçadas por grandes empresas de turismo, já que Noronha, a Esmeralda do Atlântico, é uma "caixinha de dinheiro no meio do oceano". 

Ao negar uma estrutura básica de apoio ao parto na ilha, as parturientes são obrigadas a se deslocarem até Recife cerca de 12 semanas antes da data prevista para o parto e seus bebês serão registrados como nascidos em Recife. É cruel tirar uma gestante de seu lar, privá-la da companha de sua família e enviá-la sozinha para um hotel em um momento tão delicado como é o momento do nascimento. Apenas quem já foi mãe sabe a dimensão deste fato. É desumano! 

Até 2004 existia na ilha uma estrutura de atendimento obstétrico e emergencial, que tornou- se "inviável". A partir de então, parir na ilha tornou- se uma transgressão e a decisão de ficar ou partir não é da mulher gestante. Elas sofrem uma espécie de "lavagem cerebral" onde são convencidas que será culpa delas se algo grave acontecer. Devido à distância, seria impossível levar essa parturiente até o continente a tempo de obter um atendimento em uma uti neonatal. Coincidentemente, tudo isso aconteceu exatamente na época do aumento do turismo na ilha. 

Imagem cedida pela Sinny Assessoria

Com cerca de 3 mil habitantes, Noronha recebe aproximadamente 100 mil turistas/ano. A população local vê a situação como uma espécie de "controle de natalidade" disfarçado. A mulher perdeu o papel central na cena do parto, um momento tão sublime que seria só dela, e se vê à mercê de decisões judiciais. O hospital local, São Lucas, também não oferece estrutura para atendimento aos turistas caso algum evento mais sério ocorra, só funciona para atendimento básico. 

O foco do documentário é a situação enfrentada por essas gestantes no momento do parto, porém o tema se amplia à medida que os interesses financeiros se sobrepõe à vida humana. As cenas onde aparece uma galinha dos ovos de ouro denunciam a maneira como a ilha é vista, onde apenas o lucro imobiliário importa. Um filme necessário! É preciso conscientizar o público e as pessoas engajadas na defesa dessa questão. Uma situação inaceitável onde a gestante se vê reféns de decisões alheias a sua vontade. As 3 mulheres são bem claras em suas falas e posicionamentos.

O Paraíso corre perigo!

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